Entrevista aos peixe:avião: “Já somos uma banda”

14Oct10

Escrito por Ana Beatriz Rodrigues e André Forte

Essencialmente, Madrugada foi o tema-chave em torno do qual a conversa com André Covas (que, na fotografia, se coloca desfocadamente à direita), dos peixe:avião, se desenrolou. No entanto, não deixámos de parte as perspectivas para o futuro da banda, a importância que a internet tem para o seu bom funcionamento, a actuação na sala principal do Theatro Circo a 9 de Outubro (onde e quando decorreu a primeira festa de lançamento do segundo álbum), nem mesmo o impacto que os microambientes criados pelo boom da música portuguesa têm na criação musical.

Ao final da tarde, em Coimbra, estavam os peixe:avião a preparar o showcase que iam dar na Fnac local. Mesmo sujeitos às interrupções do corrupio pré-concerto, sujeitámo-nos a raptar André Covas, membro da banda de Braga, para uma amena conversa sobre o mais recente trabalho dos peixe:avião, o longa-duração Madrugada. A conversa teve os seus bons resultados, ei-los:

Desvenda-nos os segredos de Madrugada.
Acho que não existe segredo nenhum no álbum. Mas cada um deve tirar algo diferente dele, quando o ouve, e ter os seus próprios segredos no Madrugada. As letras são um pouco abstractas, assim como a própria construção musical o pode ser, por vezes. Eu espero que cada um posso encontrar um pouco de si neste trabalho.

Comparando os dois álbuns, nota-se que vocês mantiveram mais ou menos o mesmo registo, a mesma sonoridade. Aliás, a mesma identidade. Concordas?
Claro, a identidade mantém-se, até porque somos as mesmas pessoas e o conceito não mudou assim tanto. Conhecemo-nos melhor, individualmente e enquanto banda, mas essa identidade existe e existirá, mesmo que seja moldada, mesmo que cada individuo vá crescendo. E se agora lançássemos um álbum de reggae ia tudo ficar muito confuso [risos]. Não sei se era de esperar que lançássemos algo radicalmente diferente do primeiro trabalho. A sonoridade do primeiro álbum ainda tinha por onde evoluir, não era algo concretizado. É um registo, mas também é uma fase, por isso temos de continuar a explorá-la. E nesse sentido, existe toda uma análise daquilo que foi feito para podermos fazer crescer os peixe:avião.

Vocês estão satisfeitos com o resultado final do Madrugada?
Sim, sentimos que [o álbum] já começa a dar os primeiros passos, que o conceito está a crescer e que nós estamos a crescer. Este foi um trabalho mais ponderado do que o primeiro. Quando gravámos o 40:02, conheciamo-nos à relativamente pouco tempo. Eu conheci o Pedro, o nosso baterista, no último dia de gravações do EP, porque nós fizemos as músicas todas através da internet, sem nos conhecermos pessoalmente.

Isso não foi estranho para vocês?
Não. Aconteceu por via das circunstâncias. Eu estava a viver em Aveiro, o Pedro entre Braga e Barcelos, o no Porto, o Luís e o Ronaldo estavam em Braga… mas todos tínhamos projectos paralelos e não sobrava tempo para ensaiar. Como tínhamos as mínimas condições para gravar em casa, a nível de software e por aí fora, acabámos por ir construindo as músicas partilhando ficheiros online. Depois juntámo-nos para gravar. Quando começámos a compor o álbum, nós existíamos há meia dúzia de meses, pouco mais, e ainda nos conhecíamos muito mal. E agora noto que já nos conhecemos, que já somos mesmo uma banda; já se nota coerência e coesão.

Tentaram mudar algo de concreto no processo de gravação, quando fizeram a análise do 40:02?
Continuámos a compor da mesma forma, muito cerebralmente, cada um em casa e quase por camadas, mas este álbum teve um processo de gravação radicalmente diferente do outro. O primeiro álbum foi gravado numa sala de ensaio e apenas coisas pontuais em estúdio, como voz e bateria, tudo super low-budget. Neste já fomos para o estúdio da Valentim de Carvalho e tivemos como produtor o Nélson Carvalho. Estar ali com aquela maquinaria e com as mãos e os ouvidos sábios do Nélson foi completamente diferente. E, além do mais, todo o processo foi mais ponderado. Se tivemos mais ou menos meio ano de preparação para o 40:02, para este tivemos ano e meio. Nós começámos a compor logo a seguir à saída do primeiro álbum. Penso que este é um álbum com maior atenção ao detalhe, ao pormenor, com arranjos mais bem pensados. A nível de som é incomparável, está muito mais bem produzido, bem equalizado e bem misturado. Tentámos dar esse refinamento que o outro ainda não tinha.

“O cenário [da cena musical] mudou um bocadinho: as bandas tocam com outras, acabam por partilhar e criar projectos”

Como é que surgem as participações do Bernardo Sassetti e da Manuela Azevedo?
Foi uma coisa muito casual. Nós adoramos o trabalho deles há imenso tempo, algo que não é difícil [risos], e tínhamos este desejo de trabalhar com eles. No Madrugada temos dois temas com piano e outro com um piano processado, algo que não existia no 40:02, e decidimos mandar, por e-mail, dois temas das pré-produções ao Sassetti, a perguntar se ele gostava de gravar um deles connosco, sem saber sequer se ele nos conhecia. Ele gostou dos temas e quis gravar ambos, o que para nós foi um bónus. A Manuela foi mais ou menos da mesma forma. Fomos apresentados quando estivemos a tocar no Pavilhão Atlântico com eles [os Clã], no aniversário da Fnac, e ela gostou muito do nosso concerto. Acabámos por arranjar o e-mail dela através de contactos em comum e por lhe dizer alguma coisa sobre ela gravar um tema connosco.

Vocês também são apadrinhados pelo Válter Hugo Mãe…
Nós somos amigos do Válter! Não sei dizer se ele nos apadrinha, mas é óptimo ler as palavras dele sobre o álbum. Ele já tinha escrito sobre nós mesmo no início, na altura do EP. Sentimos que era um bocadinho um tributo que ele nos fazia, mas quando lhe pedimos para escrever, fizemo-lo muito informalmente. Quando fomos ler o texto, depois, ficámos muito embaraçados.

E é um elogio meritório. Não se trata de alguém que esteja alheado da música. Ele escreve letras…
Para os Mundo Cão, etc. Ele próprio tem o seu projecto Governo… Além de ser uma pessoa artisticamente genial, na minha opinião. Escreve mesmo muito bem. Por isso, é óptimo ler as palavras tão bem escritas dele. Sei que são verdadeiras para ele, mas, se transmitem a realidade ou não, isso é eu já não sei.

Durante algum tempo, sentiu-se algum desprezo pela música portuguesa e, agora, de há uns dois ou três anos para cá, começaram a surgir bandas portuguesas com cada vez mais destaque. Muito também na vossa zona, de Braga, Barcelos… O que achas disto?
Houve um bocado de desprezo pela música portuguesa, sim, pela língua portuguesa. Agora já não há tanto isso, ainda bem, porque as bandas conseguem penetrar de outras formas no mercado, que não através da rádio, porque os canais de comunicação são todos diferentes. As rádios interessam, mas se calhar interessa ainda mais teres os fãs ligados a ti, na internet, do que propriamente teres os fãs a ouvir rádio. Depois, com toda a facilidade com que qualquer pessoa consegue sacar um software de gravação e pôr-se a fazer umas brincadeiras em casa, há muito mais bandas a serem dadas a ouvir por elas próprias, o que também é uma novidade. O cenário mudou um bocadinho e isso só traz boas coisas: as bandas tocam com outras, acabam por partilhar e criar projectos. O pessoal da Flor Caveira, por exemplo, tem uma data de músicos, depois fazem projectos entre si e é uma roda viva de coisas novas a aparecer, o que é óptimo. É como acontece no Porto com o Centro Comercial Stop, ou como em Braga. Eu vejo isso tudo com muito bons olhos, porque faço parte de uma dessas bandas.

Esses ambientes, do que percebi pelo vosso processo de composição, quase que não vos afectam, visto que estão em sítios muito distintos.
Não, acabam por afectar, porque nós conhecemos a malta toda da música de Braga, tomamos copos juntos e há ainda a iniciativa que a Câmara de Braga iniciou há uns anos nas bancadas do estádio Primeiro de Maio. Transformaram aquilo em nove salas de ensaio que são alugadas a 25€ por mês, por sala — que é uma quantia ridícula. Nós ensaiamos ao lado dos Mão Morta, dos Mundo Cão, dos Monstro Mau; e na nossa sala ensaiam também os Smix Smox Smux. Isso ajuda imenso e cria um ambiente próprio. Nós trocamos de músicos, de instrumentos e por aí fora.

Têm ainda o Theatro Circo… Vocês vão lá tocar em breve e já lá tocaram antes.
Isso já é de mais difícil acesso para as bandas que estão a começar. Nós vamos tocar lá, mas se começaste um projecto há pouco tempo já é mais difícil de o conseguir, mesmo para o palco secundário. O que é uma pena, porque é palco mesmo muito bom. Da primeira vez tocámos no tal palco secundário, e agora vamos actuar na sala principal.

“Escrever em português não foi estratégia de marketing, foi vontade”

Achas que as vossas influências se reflectem na banda?
Eu acho que sim, devem reflectir-se. Talvez não tanto neste álbum, até porque tivemos acesso a recursos que não utilizámos no 40:02. Mas [para dizer quais são as influências] eu tenho uma colecção de música bastante grande.

Já não foi a primeira vez que li comparações entre vocês e Radiohead…
Sim, compararam-nos, o que é bom. Para já, porque os Radiohead são uma grande banda, indiscutivelmente, e depois por que é normal que sejam feitas comparações, independentemente da música em si. Quando ouves uma banda e te pedem para a descreveres, tu fá-lo com referências. Se calhar os Muse, em início de carreira, deviam ser descritos como algo parecido a Radiohead. É normal e isso não me chateia nada, até porque eu também o faço constantemente. Podia descrever-nos como sendo pós-pop, ou algo parecido… mas eu sei lá o que isso é.

Mas, como vocês não compõem todos juntos, talvez seja difícil para vocês decidirem se querem soar a algo específico e definir um objectivo.
Não, isso não acontece. Aliás, a única restrição que estabelecemos entre nós foi quanto à língua. De resto… Eu vim de uma banda de death-core, o Pedro tocava em bandas punk, como os Green Machine, etc. Obviamente, eu não ia pôr um riff de metal em cima de um dedilhado [risos]. Como íamos compondo por cima de algo, ou inspirado em algo que íamos ouvindo de outro membro da banda, nunca foi necessário restringir nada, porque as coisas foram acontecendo.

Porquê que vocês decidiram escrever as letras em português? Acharam que era uma necessidade?
Não, foi um desafio. Nós já tocamos todos há muito tempo, já tivemos muitas bandas e todas elas tinham letras em inglês. Achámos que era tempo de fazer uma banda que tivesse letras em português e pareceu-nos que o tipo de som que estávamos a construir pedia isso. Não sei porquê, mas parecia certo. Além de que ia ser um desafio para todos nós, principalmente para o Ronaldo, que nunca tinha escrito nem cantado em português. Mas as letras acabaram por se conjugar bem com os instrumentais e parece-me ter sido a decisão acertada. Não foi estratégia de marketing, foi vontade.

Vocês têm vontade de se internacionalizar? Não achas que o facto de cantarem em português se pode tornar um obstáculo?
Acho que não é um obstáculo à criatividade e isso é que me parece o essencial. [Pára para pensar] Mas começo a ver alguma aceitação por parte do mercado internacional de línguas que lhe são… estranhas. Não estou a falar na música do mundo, que ninguém percebe o que eles dizem [risos]. Na música pop isso começa a acontecer. Nós nunca pensámos muito na nossa carreira, na verdade.

Qual são os vossos objectivos para os próximos tempos, dentro do que pensaram?
O objectivo agora é tocar. Queremos marcar concertos, que é o que nos dá mais prazer, e promover o Madrugada. Queremos continuar a compor e a partilhar música com o resto do pessoal. Agora, quanto à internacionalização, se surgir alguma coisa, óptimo. Essencialmente, queremos mostrar o Madrugada, que está fresquinho. Quando a coisa arrefecer, começamos a pensar em coisas novas.



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